O governo tentou vender ilusões
Vendedor de ilusões
Ninguém se iludiu, mas o governo tentou vender ilusões. Quem acompanha o setor de energia viu e alertou que a crise que estava se formando era grande e bateria no bolso do consumidor. O governo criou a crise quando fez uma intervenção que desequilibrou empresas, mudou contratos e tentou revogar as leis de mercado. Ninguém sabe ainda o tamanho da encrenca.
A crise hídrica apenas revelou o erro do governo, mas em algum momento ele estouraria no bolso do consumidor. Para reduzir artificialmente os preços de energia em 2013, o governo editou uma Medida Provisória ignorando os alertas do setor. Antecipou o fim de contratos de concessão, impôs preços irreais às estatais federais de geração. Depois, deixou as distribuidoras expostas ao mercado de energia de curto prazo. Aí veio a queda do nível de chuvas e tudo se agravou.
Faltou planejamento, como em 2001, mas sobrou arrogância. O governo Fernando Henrique, pelo menos, admitiu o erro e montou um gabinete de crise. Decretou o racionamento e iniciou a construção das térmicas para serem a garantia do sistema. Empresas e famílias tomaram medidas imediatas para a redução do consumo e, assim, diminuíram o custo dos erros do governo.
Desta vez, quando a seca chegou, o setor estava financeiramente desequilibrado pela intervenção da MP 579 e pelos erros nos leilões de compra e venda de energia. As distribuidoras foram obrigadas a comprar uma parte da energia no mercado de curto prazo a um preço muito maior do que podiam cobrar. Os buracos foram sendo cobertos por dinheiro do Tesouro ou por empréstimos cujo aval era o repasse futuro para as contas de luz. Tudo o que incomodasse o eleitor foi adiado, como o uso do sistema de bandeiras tarifárias, previsto para começar no ano passado, ou até mesmo uma campanha de economia de energia. O governo preferiu vender ilusões.
— Não agrada a ninguém ter que aumentar a tarifa, mas também não adianta viver em um mundo de ilusão. Se o custo efetivo está em outro patamar, a única forma de aumentar a sustentabilidade é encontrar um realismo tarifário — disse Romeu Rufino, da Aneel.
Pois é. Foi isso que os analistas sérios e as pessoas sensatas do setor tentaram dizer durante todo o ano passado. A resposta de todas as autoridades foi negar que houvesse problema. A Aneel deu aval para os empréstimos bancários: uma garantia de que aquele custo dos créditos e dos juros poderia ser repassado ao consumidor ao longo de três anos. E quem pegou o empréstimo? A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, um órgão das empresas do setor e que não tem ativos. Houve conflito dentro da CCEE porque, obviamente, aquele não era o caminho para o empréstimo, mas ele foi feito assim para que parecesse uma solução privada. Os bancos públicos deram a maior parte do dinheiro, o governo negociou diretamente.
Os aportes do Tesouro na Conta de Desenvolvimento Energético — que passou a pagar uma parte do custo da redução das tarifas — e os empréstimos de R$ 18 bilhões não foram suficientes. As distribuidoras chegam agora com novo pedido de socorro. As geradoras federais estão com dificuldades financeiras, a Eletrobrás não consegue pagar pelo óleo que compra da Petrobras. E esse problema das geradoras nem foi tocado ainda.
O governo vendeu ilusões e agora chegou a hora de pagar. Será paga por nós. A conta é alta. Toda a queda do preço em 2013 foi neutralizada pelos aumentos e este ano haverá um tarifaço em três parcelas: o início das bandeiras, o aumento extraordinário e o reajuste anual. A conta seria menor se a realidade tivesse sido enfrentada mais cedo.
Fonte: O Globo
Enviado por Míriam Leitão e Alvaro Gribel
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